O risco de racionamento de água e energia fez a indústria brasileira se movimentar, a fim de minimizar possíveis impactos sobre a produção. Setores como automobilístico e químico adotaram estratégias que incluem o uso de geradores e caminhões-pipa, redirecionamento da produção e importação de produtos. Algumas empresas já investem em geração própria de energia. Fontes do setor, entretanto, afirmam que, caso haja uma restrição severa no fornecimento destes insumos, não haverá como evitar prejuízos - e a conta poderá ir parar no bolso do consumidor.
No setor químico, a água é elemento indispensável para os sistemas de refrigeração, destaca a diretora de Economia e Estatística da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), Fátima Giovanna Coviello Ferreira. "Sem refrigeração adequada, não dá para produzir", observa. As companhias que possuem fábricas em várias regiões do país, diz Fátima, estão buscando maximizar a produção em locais que sofrem menos com a estiagem para aliviar as operações nas demais localidades. Reforçar a produção em horários mais frescos, que permitem esforço menor de resfriamento, é outra tática adotada pelo setor.
Em fevereiro, diante da baixa disponibilidade de água para captação no rio Atibaia, no interior de São Paulo, a Rhodia se viu obrigada a suspender a produção no complexo de Paulínia por duas semanas. Na ocasião, a companhia reduziu estoques e importou produtos - medidas que, segundo a empresa, poderão ser tomadas novamente caso a situação se repita.
Tão ou mais preocupante que a falta d'água, afirma a diretora da Abiquim, é o risco de cortes no fornecimento de energia. "Tememos os apagões porque as fábricas não podem sofrer paradas abruptas, e nem todas as plantas possuem geradores. Isso provocaria perdas de produção", diz. "A energia no Brasil, além de insegura, é cara. Se houvesse estímulos para cogeração de energia, as empresas investiriam mais e poderiam aliviar o sistema." De acordo com a Abiquim, a energia responde de 20% a 40% do custo de produção do setor.
Mesmo sem uma política de incentivos, algumas montadoras decidiram investir em geração. A Volkswagen, que desde 2010 conta com uma hidrelétrica de pequeno porte no interior paulista, anunciou em 2012 que investiria R$ 160 milhões em uma segunda usina, ainda sem data prevista para construção. Juntas, as duas plantas forneceriam à empresa cerca de 40% de toda a energia utilizada em suas operações. Por e-mail, a companhia informou que o custo de gerar energia própria e comprá-la de grandes hidrelétricas é quase o mesmo e, por isso, a principal razão para se investir nas usinas é "a sustentabilidade ambiental, com o uso cada vez mais intensivo de energia renovável". A montadora, entretanto, não informou como está se posicionando diante do risco de restrições no fornecimento de eletricidade e água.
Com a queda nas vendas e o aumento dos estoques, a Volks decidiu reduzir o ritmo das atividades na fábrica de São Bernardo do Campo (SP) por cinco meses, afastando cerca de 900 operários. Além destes, outros 400 trabalhadores do parque industrial no Paraná também terão seus contratos temporariamente suspensos a partir deste mês, mas continuarão recebendo salários, em parte bancados pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
Já a Honda, que diz não ter planos de desacelerar a produção, pretende suprir toda a demanda de energia de sua fábrica em Sumaré, no interior de São Paulo, com a construção de um parque eólico na cidade de Xangri-lá, no Rio Grande do Sul. O projeto, que tem investimento inicial de R$ 100 milhões, foi anunciado no ano passado, com a expectativa de início de funcionamento em setembro de 2014. "Naquela época, não imaginávamos uma situação energética tão grave como a de hoje, mas já colocávamos na balança os custos e os riscos da energia", diz Carlos Eigi, presidente da Honda Energy do Brasil, ressaltando que há chances desse modelo ser estendido à fábrica de motocicletas, em Manaus.
Segundo ele, a Honda possui geradores que podem sustentar as operações básicas enquanto houver a disponibilidade de combustível, mas há segmentos que teriam as atividades suspensas diante da ausência de energia, como é o caso da linha de montagem. "Não há como se manter uma fábrica inteira operando por geradores", afirma.
Já a falta de água, diz Eigi, poderia ser contornada com a contratação de caminhões-pipa e o uso de poços artesianos. "Ainda não conseguimos poços com um bom volume de água em Sumaré, mas na fábrica de Itirapina [ainda em fase de construção, no interior de SP] há."
Estratégia semelhante está sendo estudada pela General Motors (GM). Em março, o diretor responsável pelas instalações da montadora, João Sidney Fernandes, afirmou ao Valor que em caso de extrema necessidade poderia transportar a água em reservas da fábrica de São José dos Campos, no interior paulista, para as linhas de produção de São Caetano do Sul, na Grande São Paulo. Mas essa solução seria adotada apenas na "pior das hipóteses", já que o custo da operação seria alto.
Luiz Moan, presidente da Anfavea, entidade que reúne as montadoras no Brasil, diz que a economia de água e energia que vem sendo feita pelo setor há alguns anos minimizou bastante os riscos, mas a situação não deixa de ser preocupante. Segundo ele, entre 2008 e 2011, a indústria automobilística baixou em quase 30% o consumo de água na fabricação de veículos e em 11% o de energia.
"A partir de 2012, essa economia deve ter sido maior, com o aumento do reuso de água, a captação de chuvas, a reciclagem da água de pintura e a instalação de placas solares em algumas unidades", ressalta Moan.
No segmento de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos, pouco pode ser feito para se evitar queda de produção, afirma João Carlos Basilio, presidente da ABIHPEC, entidade que representa mais de 350 companhias do setor. Segundo ele, as únicas alternativas são o uso de geradores extras e a contratação de caminhões-pipa, mas o executivo ressalta que essas medidas, se adotadas por longo período, vão impor às companhias aumento nos custos de produção - e isso poderá chegar ao consumidor.
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