Em meio à incerteza do cenário da indústria, um impulso econômico importante deverá partir do setor rural. Tanto no Brasil como no Rio Grande do Sul, a perspectiva de uma colheita generosa traz um clima de otimismo moderado para o agronegócio. Nas previsões divulgadas pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) em abril, a safra nacional de grãos poderá alcançar 227,9 milhões de toneladas, 41 milhões a mais do que em 2016 - e, desse total, em torno de 33 milhões de toneladas deverão sair das lavouras gaúchas.
Esse grande volume de produção irá repercutir em outros setores da economia, como as indústrias de alimentos e máquinas agrícolas - mas traz preocupações justamente aos agricultores, que lamentam os baixos preços dos produtos no mercado interno e externo. Nas estimativas da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), a partir de dados da Fundação de Economia e Estatística (FEE), os preparativos para a safra atual injetaram R$ 24 bilhões no mercado - número que engloba os gastos dos produtores com máquinas, sementes e fertilizantes, por exemplo. A previsão é de que, depois de colhida, a safra venha a gerar cerca de R$ 39 bilhões.
O número é significativo, mesmo em um contexto de preços baixos. “O produtor não ganhou, mas o conjunto da economia vai ganhar”, explica o economista-chefe do Sistema Farsul, Antônio da Luz, que acrescenta: “A produtividade cresceu, mas o custo dela cresceu também, e o preço agora é menor. Ou seja: será uma supersafra com rentabilidade menor”. Essa perspectiva é compartilhada pelo coordenador do Núcleo de Estudos do Agronegócio da FEE, Rodrigo Feix. “A safra representa mais matéria-prima para a agroindústria e mais intensidade no setor. A principal indústria gaúcha é a de alimentos, em parte depende dessa matéria-prima local”, diz o economista, lembrando que este será um momento de recuperação, depois de a safra de 2015 representar uma queda na colheita dos principais grãos, devido aos problemas climáticos. “A soja se salvou em 2016 e agora se expandiu", completa. A soja, de fato, se mantém como grande protagonista da agricultura gaúcha, inclusive com crescimento na área plantada - os 5,5 milhões de hectares cultivados para a safra atual já representaram 4% mais do que o ano anterior, enquanto culturas como milho e trigo perderam, respectivamente, 13,4% e 12,3%.
Mas um problema comum afeta a todos esses grãos, do ponto de vista dos produtores: a dificuldade de comercialização, especialmente pelos preços reduzidos. “Os custos estavam altos, em dólares, e o preço agora está baixo. O faturamento geral poderá até cair, ou ficar igual ao de 2016”, projeta o titular da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Irrigação, Ernani Polo. Outro aspecto da supersafra gaúcha é a geração de empregos. Em 2016, quando mais de 77 mil postos de trabalho foram perdidos, o setor foi o único a ter crescimento, mesmo tímido: 739 vagas. “Na nossa região, houve queda do desemprego. Mas ainda é uma crise, e será um ano difícil, com perspectivas de recuperação”, diz Nei Mânica, presidente da Cotrijal Cooperativa Agropecuária e Industrial, de Não-Me-Toque. Em fevereiro, houve novamente saldo positivo de empregos formais, superando em 2% o mês anterior.
Produtores pedem novas estratégias
Uma queixa comum a muitos agricultores, pecuaristas e representantes de entidades do setor agropecuário é a ausência de uma estratégia governamental mais precisa quanto ao abastecimento e à economia do meio rural, principalmente em relação a culturas como milho e trigo. O primeiro está desvalorizado, depois de um 2016 em que a quebra na safra trouxe aumento significativo nos preços e temor pelo desabastecimento, especialmente entre os produtores de suínos e aves. O segundo vem tendo área de plantio reduzida, enquanto o consumo interno torna necessário importar o grão para atender à demanda. “Praticamente metade (do trigo consumido no País) é importado. É um erro da política agrícola do governo. Isso deixa a economia fragilizada.
Falta uma política de abastecimento”, observa o assessor de Política Agrícola da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag), Márcio Langer. A garantia de preços mínimos para os produtos e a necessidade de programas de incentivo para investimentos na armazenagem dos grãos são outras questões levantadas. “O ideal seria ter espaço para 150% do volume de produção. Hoje, temos para 90% dos grãos secos”, compara o coordenador das comissões de grãos da Farsul, Jorge Rodrigues. Outra medida na pauta do setor é a possibilidade de reduzir impostos para determinados produtos, como o arroz.
“O governo José Ivo Sartori desonerou um pouco o ICMS do arroz beneficiado, buscando competitividade. Mas para o arroz casca, que vendemos para outros estados, segue em 12%, e aí o produto do Paraguai entra com 4%”, observa o presidente da Federação das Associações de Arrozeiros do Estado (Federarroz), Henrique Osorio Dornelles.
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