08/05/2014
Valor Econômico
Opinião | Pág. 14
Clipado em 08/05/2014 12:05:42
Vitória de Pirro

Em artigo publicado no Valor, em 11 de maio de 2012, intitulado "Não existe almoço grátis", alertou-se sobre os custos envolvidos nas alterações dos acordos de refinanciamento de dívidas firmado entre os Estados e a União. Embora passados dois anos, aquelas observações continuam válidas e podem ser assim sintetizadas: "Haverá uma elevada concentração de benefícios nas unidades mais ricas da Federação, que se beneficiaram com a implantação de infraestrutura econômica decorrente das dívidas refinanciadas".

Apesar do alerta, as propostas legislativas ganharam impulso e culminaram na aprovação, pela Câmara dos Deputados, do PLP 238/2013, que altera o indexador das dívidas de Estados e municípios com a União. No Senado, o mesmo projeto, agora identificado como PLC 99/2013, estava em vias de ser aprovado sem a devida avaliação, até que o senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) questionou os termos do acordo indicando que este "penaliza os Estados que fizeram o dever de casa".

De fato, a distribuição dos benefícios está concentrada, em geral, nas unidades mais ricas da Federação. Segundo o PLC, serão efetuados cálculos retroativos até 31.12.2012 comparando a taxa de juros dos contratos (entre 6% e 9% ao ano) adicionados ao IGP-DI com a taxa Selic. Caso a variação acumulada beneficie, no mesmo período, o Estado ou município, este teria um abatimento no saldo devedor da dívida refinanciada.

Benefícios estariam concentrados nos entes mais ricos e os custos divididos entre todos os entes federativos

Usando uma proxy para estimar os impactos constata-se, em um dos cenários, que as mudanças retroativas beneficiariam apenas os Estados de Alagoas, com abatimento de R$ 2,3 bilhões, Pará, com R$ 0,13 bilhão, o Distrito Federal, com 0,5 bilhão e o município de São Paulo, com R$ 22,8 bilhões.

De acordo com o PLC, após 2012 a taxa de juros seria reduzida ou para 4% mais o IPCA, ou para a Selic, o que fosse menor, e não mais pela taxa de juros mais IGP-DI. Caso a Selic seja maior do que o IPCA mais juros, e considerando que o IPCA e o IGP-DI convirjam no longo prazo (sejam iguais), esta redução de encargos implicaria custo adicional para a União na mesma magnitude da queda dos juros de 6% para 4% ao ano, o equivalente a 2,01% ao ano. Para o município de São Paulo, com juros de 9%, a redução da taxa para 4% implica custo adicional para a União de 5,10%.

O estoque de dívidas estaduais refinanciadas pela Lei 9.496/97, em dezembro de 2012, era de R$ 392,5 bilhões que, deduzido dos R$ 2,9 bilhões de abatimento do saldo devedor aos quais os Estados teriam direito, reduz o montante para R$ 389,6 bilhões. Aplicando 2,01% a este valor, teríamos R$ 7,8 bilhões, ou 0,18% do PIB, de redução nos pagamentos de encargos pelos Estados. As dívidas municipais renegociadas pela MP nº 2.185 eram de R$ 64,97 bilhões em dezembro de 2013, que deduzidas dos R$ 22,8 bilhões de abatimento do estoque da dívida, somam R$ 42,2 bilhões. Aplicando-se 5,1% a este montante, obtêm-se R$ 2,2 bilhões, ou 0,05% do PIB, em reduções no fluxo de pagamentos anuais pelos municípios.

Do total da redução de pagamentos anuais de R$ 7,8 bilhões, o Estado de São Paulo teria R$ 3,6 bilhões, Minas Gerais, R$ 1,2 bilhão, Rio de Janeiro, R$ 0,9 bilhão e Rio Grande do Sul, R$ 0,8 bilhão. O R$ 1,2 bilhão remanescente seria distribuído aos demais Estados. No caso dos municípios, a redução de encargos anuais de R$ 2,2 bilhões beneficiaria quase integralmente o município de São Paulo.

Os custos totais para a União com a redução dos saldos devedores seriam de R$ 25,7 bilhões, ou 0,58% do PIB, concentrados quase que exclusivamente no município de São Paulo. A redução no fluxo de pagamento seria de R$ 10 bilhões anuais, ou 0,23% do PIB, concentrados nos entes mais ricos da Federação que obteriam 88% do beneficio total. Até o fim dos contratos, o custo total, apenas no fluxo de pagamentos, se situaria entre 2% e 3% do PIB. O custo total da troca de indexadores ficaria, portanto, entre 2,5% e 3,5% do PIB.

Apesar de, aparentemente, a troca de indexadores não implicar ônus aos Estados e municípios isto é ilusão. Essa troca pode induzir as agências classificadoras de riscos a reduzir o rating do Brasil, com redução nos fluxos de capitais e desvalorização permanente da taxa de câmbio. Supondo depreciação cambial de 20%, todas os entes da Federação com dívidas em dólar teriam ampliados os custos de suas dívidas. A dívida externa dos Estados, em dezembro de 2013, era de R$ 52,3 bilhões. Aplicando 20% sobre este montante obtêm-se R$ 10,5 bilhões, ou 0,22% do PIB. Para os municípios, com dívida externa de R$ 6,9 bilhões, os débitos seriam ampliados em R$ 1,4 bilhão, ou 0,03% do PIB. O efeito primário da elevação do câmbio nas dívidas subnacionais, seria, portanto, de R$ 11,9 bilhões, equivalente a 0,25% do PIB.

O efeito secundário da depreciação cambial seria a elevação das taxas de juros para reduzir o repasse cambial (pass-through) aos preços para a conter o processo inflacionário. Haveria, portanto, efeitos na arrecadação de tributos com impactos distribuídos para todos os entes da Federação. Supondo redução de 1% no PIB com igual impacto sobre a carga tributária, que foi de 1,58 trilhão em 2012, a queda da arrecadação seria de R$ 15,8 bilhões, ou 0,36% do PIB. Se considerarmos apenas a arrecadação própria dos Estados e municípios e os tributos transferidos pela União aos entes subnacionais, o impacto seria de R$ 8,34 bilhões ou 0,19% do PIB em redução de receitas.

Constata-se que a despeito do senso comum de que os Estados e municípios lucrariam com a troca dos indexadores, caso haja benefícios, estes estariam concentrados nos entes mais ricos da Federação. Os custos, por outro lado, estariam disseminados entre todos os entes federativos. Uma eventual aprovação do PLC 99 no Congresso Nacional seria obtida com alto preço, com prejuízos irreparáveis ao país. Seria uma autêntica vitória de Pirro.

José Carlos Gerardo é analista de finanças e controle da STN/MF. O artigo reflete a visão pessoal do autor e não a posição do Ministério da Fazenda.