Parte significativa das boas notícias envolvendo o agronegócio gaúcho em 2017 passa pela safra de soja. Principal produto das lavouras do Estado, tanto em área plantada como em volume de colheita, o grão também foi o item com o maior crescimento em exportações no primeiro trimestre deste ano. Nesse período, 1,031 milhão de toneladas foram embarcadas, gerando US$ 407,4 milhões – um recorde histórico, segundo dados da Fundação de Economia e Estatística (FEE) divulgados em abril. E essa é apenas uma parcela da vultosa produção esperada para este ano, que deve ultrapassar, com boa margem, as 16 milhões de toneladas colhidas no ano passado.
“A safra 2016/2017 superou todas as expectativas. Acreditamos que irá passar das 17 milhões de toneladas. Contribuíram para isso as excelentes condições climáticas ao longo de todo o ciclo da cultura”, explica o presidente da Associação dos Produtores de Soja no Rio Grande do Sul (Aprosoja-RS), LuisFernando Marasca Fucks. A maior parte dessa produção deverá ser vendida no mercado externo – em especial, para a China, destino de 99,7% da soja embarcada em Rio Grande no primeiro trimestre. A alta nas exportações no início de 2017 foi de 235,6% em valor e de 194,7% em volume, e o total embarcado é maior do que a soma dos primeiros trimestres dos últimos quatro anos, de acordo com a FEE.
O sucesso da cultura de soja é reflexo de um crescimento constante do setor nos últimos 10 anos. Desde 2008, quando a área plantada foi de 3,8 milhões de hectares, o espaço ocupado pelo grão no Estado aumenta ano a ano – a projeção para este ano é de 5,7 milhões. Investimentos em tecnologia e em pesquisa genética têm impulsionado a produtividade, que atinge médias próximas de 50 sacas (60 kg) por hectare.
“Em algumas lavouras, estamos produzindo 90 sacas por hectare, até. Num futuro próximo, teremos médias assim. Hoje, a média está por volta das 50 sacas, e neste ano deve ficar acima de 50, o que já é um bom número”, comemora Jorge Rodrigues, coordenador das comissões de grãos da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul). Os números podem, inclusive, melhorar num futuro próximo, segundo a Aprosoja. “Muitas áreas deixaram de expressar o seu potencial máximo por problemas de fertilidade do solo”, observa Fucks, acrescentando: “Se a informação técnica for disseminada adequadamente, em um plantio futuro, mesmo sem as condições climáticas excepcionais verificadas neste ano, poderemos ter um novo recorde de produção”. O predomínio da soja deve se manter por enquanto.
“O padrão da produção não muda de um ano para outro”, explica o presidente da Federação das Cooperativas Agropecuárias do Estado, Paulo Pires. “Existe a crítica ao investimento em uma monocultura, e temos a preocupação em tentar evitar que seja assim; mas (a soja) é tendência, e as pessoas buscam o melhor para si. A liquidez (do grão) favorece o produtor, que colhe e vende com facilidade”, analisa o agrônomo. Um fator decisivo para manter esse ciclo é a demanda mundial, que não deverá arrefecer tão cedo. “Estudos apontam que o consumo de soja vai crescer 26% na Ásia nos próximos 10 anos”, observa o economistachefe do Sistema Farsul, Antônio da Luz.
Preços baixos trazem preocupação para os agricultores do Rio Grande do Sul
Em contraste com a generosidade da safra deste ano, um aspecto decisivo da cadeia produtiva preocupa os agricultores: o baixo valor da soja no mercado. “Os preços atuais não permitem superar a receita bruta da safra passada. O câmbio aviltado e uma queda no preço internacional têm reduzido muito a expectativa de lucros com a supersafra”, diz o presidente da Aprosoja-RS, Luis Fernando Fucks.
“Em junho do ano passado, o preço era de R$ 83,00 por saca. Agora, está perto de R$ 55,00”, compara o produtor Luiz Carlos Schuster, de Não-Me-Toque. Neste ano, com a colheita já concluída, ele comemora uma produção média de 80,4 sacas por hectare. Mas alerta: “Tudo o que se ganha em produtividade não se reflete em dinheiro. O ideal seria aguardar (para vender a safra), mas quase 100% (dos produtores) têm de pagar os financiamentos e o maquinário, por exemplo. Quando vencerem os custeios, em junho, temos que pagar o banco”.
Schuster acredita que muitos colegas terão de rolar dívidas, em função desse contexto. Mesmo assim, garante que é melhor viver essa “crise do silo cheio” do que colher pouco. “Conversando com outros produtores, concluímos que, se a safra não tivesse sido tão boa, iria dar quebradeira. O preço não estaria melhor. A Argentina também está com safra boa, e eles são os últimos a colher. O mercado internacional está sempre abastecido”, relata.
Aos 54 anos, o produtor cultiva em torno de 50 hectares de grãos e costuma acompanhar as sugestões dos agrônomos da Cotrijal Cooperativa Agropecuária e Industrial, à qual é associado. “O resultado é bom”, diz Schuster. “Mas a decisão de seguir as orientações é do produtor. Nem todos vão chegar na média de 80 (sacas por hectare), uns vão ficar em 45, fazendo como o pai deles fazia. Esses vão ficar pelo caminho.” O cuidado com a gestão da propriedade e a atenção aos investimentos em adubos e defensivos, por exemplo, é importante.
“Quem não tem os custos na mão, em pouco tempo, está fora da atividade”, diz Schuster. Neste inverno, por exemplo, o agricultor já decidiu apostar na lavoura de cevada, de forma a driblar os constantes prejuízos com os preços baixos do trigo. Para ficar em dia com os gastos cotidianos, a solução vem sendo manter, paralelamente à agricultura, a pecuária de leite.
“É o que sustenta minha manutenção familiar. Tenho dois filhos na faculdade, e com o gado consigo (pagar as despesas). Se eu fosse só lidar com grãos, estaria sempre no vermelho”, explica. Uma dificuldade a mais, segundo o agricultor, é garantir a continuidade das gerações no campo. Schuster lamenta, por exemplo, o fechamento de escolas da zona rural na região, contribuindo para que os mais jovens tenham contato precoce com a vida na cidade: “A piazada quer celular, e aí não tem sinal de celular ou de internet (no campo). A juventude conhece a cidade e não quer voltar.”
|