Fernanda Nascimento
O secretário estadual de Infraestrutura e Logística (Seinfra), João Victor Domingues (PT), deixa o cargo ao final deste ano e avalia que o grande legado do governador Tarso Genro (PT) no setor foi alinhar as obras de infraestrutura rodoviária ao desenvolvimento econômico. "Terminar e garantir que todos tenham os acessos asfálticos significa fortalecer a agricultura familiar e dotar os municípios da infraestrutura necessária para atração de investimentos", avalia.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o secretário afirma que a crise entre a Seinfra e o Departamento Autônomo de Estradas e Rodagens (Daer) - agravada durante a gestão de Beto Albuquerque (PSB) na pasta - está superada. João Victor avalia ainda que a Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR) vive um momento consolidação, após a enxurrada de críticas recebidas ao assumir os pedágios comunitários, mas admite que a empresa poderia ter sido criada com mais antecedência. "Teve um hiato de tempo contra nossa vontade, porque as licitações feitas deram desertas, e a EGR demorou a entrar em funcionamento".
Para João Victor, o papel do PT no próximo período é o de "defender o legado do nosso governo". Sobre o futuro pessoal, afirma que seguirá na infraestrutura, no governo federal ou em alguma prefeitura do partido no Estado.
Jornal do Comércio - Qual a avaliação deste período à frente da Seinfra?
João Victor Domingues - A secretaria tem oito órgãos (CEEE, Daer, DAP, CRM, Sulgás, SPH, Suprg e EGR), mas a prioridade, já que tivemos problemas no início da gestão, foram os investimentos em infraestrutura rodoviária. E isso se refletiu em ligações regionais, duplicações e acessos municipais. Tratamos de organizar o trabalho em três diretrizes: planejamento, capacidade de gestão e execução dos investimentos. A capacidade de gestão foi não ceder para burocracia e encontrar soluções para destravar as obras. Na questão do planejamento, é a primeira vez que o Rio Grande do Sul tem um plano de obras rodoviárias vinculadas à estratégia de desenvolvimento econômico.
JC - Como esta estratégia impacta na realização das obras?
João Victor - A prioridade foi o fortalecimento da agricultura familiar vinculada às cadeias tradicionais, de leite, frango, suínos e grãos. Terminar e garantir que todos tenham os acessos asfálticos significa fortalecer a agricultura familiar e dotar os municípios da infraestrutura necessária para atração de investimentos. Cidades com 5 mil habitantes e 3 mil eleitores nunca eram prioridade e isto está acontecendo. O que não consegui fazer estará pronto para o próximo governo, que entrará em uma situação absolutamente confortável, do ponto de vista de investimentos, das soluções de gestão e planejamento dos planos de obras.
JC - Os acessos asfálticos estão entre as principais reclamações dos prefeitos e deputados. Como contornar essa pressão pela priorização de locais que são base de apoio em detrimento de outras regiões?
João Victor - Os deputados são representantes de um segmento econômico, uma determinada região ou categoria e representam interesses legítimos dentro da sociedade, que estão sempre em conflito e disputa, o que faz com que políticas públicas aconteçam nesta ou naquela direção. Há uma pressão pelos acessos nos municípios pela vinculação dos deputados à determinada região, mas isso não vai fazer a obra andar mais rápido. As obras vão andar em todas as regiões, porque definimos como prioridade o tema do acesso asfáltico. Poderia dizer que a prioridade era concluir, sem nenhuma crítica de mérito, como fez a ex-governadora Yeda (Crusius, do PSDB), uma parte da ERS-471, ou como fez o ex-governador Germano Rigotto (PMDB), a Rota do Sol. Mas a prioridade eram acessos municipais, as ligações regionais e duas duplicações (ERS-509 e ERS-118), porque essas partiam do diagnóstico de superar as desigualdades regionais, fortalecer a matriz produtiva do Estado, fortalecer corredores de escoamento de produção. Nesse tema dos acessos municipais, o governo Rigotto fez quatro, o governo Yeda fez seis e estamos deixando concluídos 37. Outros 25 estão em obras, e mais 14 prontos para que o próximo governador possa dar ordem de início imediatamente. Estamos deixando recursos e condições para que nenhum município fique sem acesso asfáltico até o final de 2016. Isso está dentro do nosso cronograma, seja de licitações que estão em andamento, contratações prontas para serem feitas e aquelas que o Daer tem que só dar início nas obras.
JC - Os problemas entre Daer e a secretaria foram solucionados?
João Victor - Tínhamos problemas de gestão, por ceder às amarras burocráticas e pelo relacionamento conflituoso e tenso com o Daer. O secretário que me antecedeu aqui, o Caleb (de Oliveira, na época PSB, hoje Pros), já vinha trabalhando nessa pacificação com o Daer e quando entramos se conseguiu eliminar as amarras e destravar os processos de investimentos. O próximo governo só tem que fazer uma coisa: não parar. A EGR tem um papel fundamental nesse funcionamento com o Daer, pois assumiu 800 quilômetros de rodovias e 14 praças de pedágio. Qual foi o problema da EGR? Terminaram os contratos de pedágio, a EGR estava sendo instituída e não tinha ainda os contratos de recuperação das rodovias, porque cada empresa pública dessas terceiriza, contrata empresas pra fazer sua conserva.
JC - A EGR deveria ter sido criada antes?
João Victor - Talvez, devêssemos ter encaminhado o final dos contratos de concessão no momento que a EGR tivesse condições de assumir. Ali teve um hiato de tempo contra nossa vontade, porque as licitações que foram feitas deram desertas e a EGR demorou a entrar em funcionamento. Hoje, a EGR tem uma carteira de investimento de R$ 215 milhões em recuperação de rodovias. Nessa convivência EGR e Daer, a EGR administra esses 800 quilômetros, mas a EGR pode assumir rodovias para fazer a duplicação, obras que o Daer não precisaria fazer. Inovamos com a EGR ao terminar um modelo privado que cobrava uma tarifa altíssima, mas que não realizava investimento. Dentro dessa estratégia, a EGR está com os contratos a pleno, um exemplo é ERS-287, que liga Santa Cruz e Santa Maria, e desde que a EGR começou, a obra está com praticamente 80% do trecho recuperado. A travessia urbana de Santa Cruz, que é uma demanda de 20 anos, está sendo contratada. A ERS-040, em Viamão, que tinha a construção de uma terceira faixa reivindicada há 15 anos e as concessionárias privadas não faziam, já vai inaugurar a terceira e a quarta faixa em 18 quilômetros. Quando se criou a EGR, se estabeleceu um sistema de controle social, e os Corepes (Conselhos Comunitários das Regiões das Rodovias Pedagiadas) têm a função de ajudar a definir prioridades de investimentos. Por que a travessia urbana de Santa Cruz vem primeiro? Porque o Corepe definiu como obra prioritária para a região.
JC - Acredita que a EGR pode ser esvaziada pelo próximo governo?
João Victor - A EGR está em uma circunstância bem diferenciada do que na época da implementação. As comunidades percebem as vantagens em ter um sistema mais barato e com esse volume de investimento e isso ajuda a consolidar o papel da EGR. Vejo com dificuldades se o próximo governo quiser extinguir a EGR ou mudar seu papel, porque 80% do que ela arrecada vai para investimentos e 20% são impostos e taxas, ao contrário das empresas privadas que têm que dividir lucros com acionistas. Ela tem que ser mantida na forma como está.
JC - Nas reuniões de transição de governo, como estão os debates sobre a secretaria e as obras em andamento?
João Victor - Não tenho participado e não tenho sido demandado, quem está tratando disso é o nosso chefe da Casa Civil, Carlos Pestana (PT), e até agora não fomos demandados para apontamentos dessas questões. Acredito que, quando o secretário estiver definido, isso passe por um detalhamento maior. Mas é importante destacar que vamos deixar pronto para o próximo governo o programa de qualidade da energia elétrica no meio rural, com quatro subestações, R$ 131 milhões de investimentos em 62 municípios de cobertura da CEEE. Em Porto Alegre, a última subestação construída foi no governo Olívio, e estamos entregando, pelo menos, oito subestações. A CEEE também está fazendo investimentos importantes em parceria com a Eletrosul e a vantagem competitiva do Estado com relação à energia eólica em comparação ao Nordeste são as linha de transmissão. Todos os parques eólicos estarão ligados por linha de transmissão. Às vezes, se diz que o problema de não ter luz no verão é a falta de energia suficiente. Não. Muitas vezes, não têm subestações, ligações e linhas de transmissão.
JC - Com esses investimentos, não haverá problemas semelhantes aos deste ano no próximo verão?
João Victor - Ainda não andou como deveriam ter andando as obras, por culpa de empresas, porque contratamos empresas pra executar, algumas tiveram problemas, tivemos que rever calendários, novos prazos, porque não tiveram capacidade de execução. Mas o investimento hoje na CEEE é 50% maior do que o período anterior.
JC - Por conta desse volume de investimentos, o tamanho da derrota eleitoral causa frustração?
João Victor - Trabalhamos bastante e mudamos alguns paradigmas no Estado. As cooperativas tiveram acesso ao Fundopem, criamos a sala do investidor, a Secretaria de Ciência e Tecnologia aportou investimentos recordes em pesquisa e desenvolvimento, a Secretaria de Desenvolvimento Rural implementou o Plano Safra junto com a Secretaria de Agricultura, dobramos a área irrigada e valorizamos o salário do servidor público. Mas talvez tenhamos nos comunicado um pouco mal, e a população optou por outro projeto, não nos reconduzindo a um novo mandato. Acredito que a forma como se deu o debate eleitoral escondeu um pouco essas realizações do governo. No Rio Grande do Sul, a gente tem quase um monopólio de mídia, e isso acaba ressignificando um conjunto de ações do governo que não tiveram a cobertura adequada. Cometemos erros na campanha e no governo, mas não me sinto frustrado, porque nos empenhamos ao máximo para resolver as questões. O governo deixa esta secretaria em melhores condições que recebemos, além das obras, deixamos o Pelt (Plano Estadual de Logística de Transporte), porque acredito no planejamento para execução do investimento público, senão é desperdício de dinheiro público. O Pelt permitirá mapear, nos próximos 25 anos, quais são as obras de infraestrutura necessárias para alavancar o desenvolvimento do Estado. É um grande legado que o governo Tarso Genro deixa, porque o que define o investimento não é o incentivo fiscal, é mão de obra qualificada e infraestrutura.
JC - Como será a oposição ao governador eleito já que o partido sempre o acusou de não ter propostas?
João Victor - Temos que defender o legado do nosso governo. A sociedade escolheu assim, mas escolheu um cheque em branco. A votação da Assembleia Legislativa (que aprovou a aposentadoria integral para os deputados) já demonstra um pouco a que veio. (O PMDB) reclamou dos 16% para o mínimo regional e aprovou uma aposentadoria que não obedece às mesmas regras do trabalhador comum. Deputado não é servidor público, é agente político. E isso já demonstra um pouco o conteúdo desse cheque em branco. O Rio Grande do Sul não pode retroceder. Temos muito ainda por fazer e acredito que o próximo governo tem que ter muito cuidado com suas ações.
JC - Qual será a sua tarefa neste cenário?
João Victor - Vou continuar atuando nessa área de infraestrutura e logística, contribuindo com meu partido seja em que posto esteja, no governo federal ou contribuindo com alguma prefeitura.
Perfil
João Victor Domingues (PT) tem 45 anos, é natural de Arroio Grande, bacharel em Direito e servidor do Judiciário há 24 anos. Nos anos 1990, presidiu o Sindicato dos Servidores de Justiça do Estado. Em 1998, durante o governo de Olívio Dutra (PT), foi coordenador do Fórum de Gestores das Fundações e Empresas Públicas e chefe de Gabinete da Casa Civil. Em 2002, se tornou coordenador político do mandado do então deputado Flávio Koutzii (PT). A partir de 2007, foi coordenador-geral da bancada do PT na Assembleia Legislativa. Com a vitória de Tarso Genro, ficou à frente da Coordenadoria de Assessoramento Superior do Governador. Em 2013, assumiu interinamente a Secretaria de Infraestrutura e Logística (Seinfra) após o PSB - partido que comandava a pasta - deixar a base aliada de Tarso Genro. A secretaria foi oferecida ao PDT para que o partido também não desembarcasse do governo. Diante da recusa da sigla em permanecer na gestão, João Victor se tornou titular da pasta.
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