Na semana passada, quando se reuniu com o ministro Guido Mantega para pedir a prorrogação do corte do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para a indústria automotiva, o presidente da Associação Nacional dos Veículos Automotores (Anfavea), Cledorvino Belini, foi questionado sobre o motivo de as montadoras brasileiras lucrarem o triplo do que as norte-americanas na produção de veículos. “É difícil de dizer. As montadoras têm de ter lucratividade, porque o exemplo americano mostra que se não tiver, quebra. Então é melhor ter lucratividade e, principalmente, investir. Investir em capacidade de produção, em tecnologia, em novos produtos, geração de emprego.”
Segundo levantamento feito em cinco países - Brasil, EUA, Argentina, França e Japão - o carro brasileiro é sempre o mais caro. A diferença chega a 106,03% no caso do Honda Fit vendido na França (onde se chama Honda Jazz). Aqui, ele sai por R$ 57.480,00, enquanto lá custa o equivalente a R$ 27.898,99. A distância também é expressiva no caso do Nissan Frontier vendido nos EUA. Aqui, custa R$ 121.390,00 — 91,31% a mais que os R$ 63.450,06 pagos pelos consumidores norte-americanos. Há cerca de três semanas, a revista Forbes ridicularizou os preços cobrados no Brasil, mostrando que um Jeep Grand Cherokee básico custa US$ 89.500 (R$ 179 mil) aqui, enquanto, por esse valor, em Miami, é possível comprar três unidades do mesmo modelo, que custa US$ 28 mil.
Especialistas estimam que a margem de lucro das montadoras no Brasil seja de pelo menos o dobro do que é praticado no exterior, por causa de um quadro de pouca concorrência — ainda que o País já seja o quarto maior mercado de carros do mundo, incluindo caminhões e ônibus, atrás de China, Estados Unidos e Japão. O diretor-gerente da consultoria IHS Automotive no Brasil, Paulo Cardamone, estima ganho de 10% do preço de um veículo no Brasil, enquanto no mundo seria de 5%. Nos EUA, esse ganho é de 3%.
Consultado sobre essas diferenças, Mantega foi evasivo. “Não sei a rentabilidade das empresas porque não publicam balanços. Mas espero que, com as medidas que estamos tomando, um dia os brasileiros tenham a oportunidade de comprar carros aqui pelo mesmo preço lá de fora.” Para o professor da UFF e da FGV Management e economista do Bndes André Nassif, não há uma concorrência efetiva no Brasil. Segundo ele, as montadoras com maior fatia de mercado operam com maior economia de escala, o que não ocorre com as menores. “Mas não é interessante para ninguém a disputa de preços. Como a tarifa de importação é alta e não há muita concorrência, as empresas colocam os preços em um nível maior e competem por diferenciação de produto”.
O cenário brasileiro, segundo os especialistas, inclui ainda um consumidor que está disposto a pagar — seja por necessidade ou não — um preço alto para ter um carro. “O preço (dos carros) no Brasil é irreal. Carros típicos de consumidor AA aqui, lá fora são bens de consumo comuns. Aqui se paga caro por um carro que não vale tanto assim”, comenta Vitor Meizikas, consultor da Molicar. “O brasileiro se acostumou a pagar caro para ter um carro na garagem”, complementa José Caporal, consultor da Megadealer.
Na saída da reunião com o ministro Mantega, que acabou atendendo ao pedido das montadoras na semana passada, Belini ainda afirmou que mesmo com a renúncia fiscal do governo federal, que perde R$ 20,7 milhões por dia com o imposto mais baixo, a arrecadação aumentou. De acordo com o presidente da Anfavea, houve um crescimento no recolhimento de PIS/Cofins, IPVA e ICMS. A entidade informou que esses impostos retornaram para os cofres públicos R$ 22,4 milhões por dia, em média, em julho e julho.
Professora da USP não acredita em barateamento em curto prazo
Para Adriana Marotti de Mello, professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP), as margens de lucro da indústria automobilística são menores em mercados mais maduros, como nos Estados Unidos, no Japão e na Europa. Nos países europeus, a crise econômica recente pode também ter reduzido os ganhos das empresas do setor. E, no caso dos Estados Unidos, lembra a professora, as margens de lucro recentemente chegaram a ser negativas. O cenário para os preços de automóveis no Brasil, na sua opinião, só vai mudar quando houver uma acomodação no mercado.
Associação justifica a redução do IPI com aumento de emprego e impostos
Para pedir a continuidade do IPI reduzido de veículos, a Anfavea (associação das montadoras) levou ao governo dados que dizem que o benefício criou 2,7 mil novos empregos e aumentou a arrecadação de impostos em R$ 1,7 milhão por dia. A estimativa apresentada é de que, entre junho e agosto, a média diária de geração de PIS/Cofins foi de R$ 66,5 milhões, alta de R$ 10,6 milhões ante os R$ 55,9 milhões em maio.
No caso de ICMS, a arrecadação subiu de R$ 73,5 milhões para R$ 83 milhões na mesma comparação, alta de R$ 9,5 milhões. No IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores), de R$ 18,4 milhões para R$ 20,7 milhões, R$ 2,3 milhões a mais. O IPI, por sua vez, caiu de R$ 38,9 milhões para R$ 18,2 milhões por dia, uma baixa de R$ 20,7 milhões na mesma comparação.
“No total, a média diária de geração de todos esses impostos foi de R$ 188,4 milhões entre junho e agosto, com crescimento de R$ 1,7 milhão por dia na comparação com maio”, afirmou Cledorvino Belini, presidente da Anfavea. A redução tributária na venda de veículos deu impulso forte ao setor, que atualmente vende 16,6 mil carros por dia, em média, de acordo com o ministro da Fazenda, Guido Mantega.
Esses números animaram o governo a manter a desoneração por mais dois meses, uma vez que a indústria automobilística se compromete a manter o nível de empregos e a repassar a redução do IPI para o consumidor. Segundo Mantega, o governo acompanha os preços de mercado, nos casos de produtos que gozam de algum tipo de subsídio fiscal, e “pudemos observar, que nos últimos seis meses, os preços dos automóveis estão em média 4,5% mais baratos. Isso não condiz, porém, com os preços externos, que são bem mais baratos”. O ministro ressaltou que espera que “um dia os brasileiros tenham oportunidade de pagar aqui preços equivalentes aos cobrados lá fora.”
Em resposta à cobrança de medidas para diminuir os efeitos da “guerra comercial” com o mercado externo, Mantega lembrou que os carros estrangeiros pagam 30% de Imposto de Importação e que o governo continua adotando medidas para reduzir os custos de produção brasileiros. Mantega destacou, contudo, que o problema comercial é derivado da crise internacional e quem tem mercado, como é o caso do Brasil, sofre assédio dos outros países. “É uma guerra pesada, mas vamos melhorar”, disse.
Forbes ironiza preços pagos por brasileiros
Com o título de “O ridículo Jeep Grand Cherokee brasileiro de US$ 80 mil”, uma reportagem da versão online da revista norte-americana Forbes fez piada com os preços abusivos dos carros importados no Brasil. Em tom de chacota, o texto fazia a crítica de que, por esse preço, o consumidor poderia imaginar que o carro viria equipado com asas ou calotas banhadas a ouro. Mas, não. No Brasil, paga-se isso pela versão padrão do automóvel. Segundo a Forbes, pelo preço “estelar” de US$ 89.500 (ou R$ 179 mil), o morador de Miami compra três carros do mesmo modelo 2013, vendidos por lá a US$ 28 mil.
O Censo 2010 do IBGE mostra que a renda média mensal do trabalhador brasileiro é R$ 1.345,00, ou de R$ 16.140,00 em um ano - um brasileiro precisaria trabalhar 11 anos para ganhar o equivalente ao preço do carro. Para a Forbes, os motivos para o preço salgado são uma taxação a importados que supera 50% e uma boa dose de ingenuidade por parte dos consumidores.
A revista diz que grupo Chrysler vai lançar o novo modelo Dodge Durango SUV no Salão do Automóvel de São Paulo, em outubro, supervalorizado: vai cobrar R$ 190 mil (US$ 95 mil), enquanto, nos Estados Unidos, o modelo custa R$ 57 mil (US$ 28,500), menos de um terço do valor. “Foi mal, brazukas... Não há status num Toyota Corolla, Honda Civic, Jeep Grand Cherokee ou num Dodge Durango. Não se deixem enganar pelo preço. Vocês estão definitivamente sendo roubados”, provoca o autor da reportagem, Keneth Rapoza.
O jornalista propõe o exercício de pensar o que um brasileiro diria se um colega norte-americano dissesse que pagou US$ 150 por um par de Havaianas. O par de chinelos pode ser sexy, charmoso e chique, diz, mas certamente não vale isso: “No que diz respeito a status dos carros no Brasil, as classes mais altas estão servindo-se de Pitu e 51 nas caipirinhas e achando que se trata de licores top de linha.”
Abeiva se queixa dos tributos que triplicam custo de veículo importado
O presidente da Associação Brasileira das Empresas Importadoras de Veículos Automotores (Abeiva), Flavio Padovan, rebateu o artigo da revista Forbes, publicado há três semanas, que critica o alto preço cobrado pelos veículos no Brasil. Segundo Padovan, um veículo hipotético importado por um preço de R$ 100 mil no exterior chega ao consumidor por um valor estimado de R$ 340 mil, ou seja, mais do que o triplo.
Grande parte da alta, segundo ele, vem da tributação, pois sobre o modelo incidem 35% de Imposto de Importação, 3% de despesas aduaneiras, 54% de ICMS e PIS/Cofins e outros 55% de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). “O jornalista que escreveu isso certamente não conhece a carga tributária que incide sobre o veículo”, disse Padovan. Dados da Abeiva no cálculo para chegar ao preço hipotético apontam margens de 7,5% às importadoras e outros 10% às concessionárias, que não estão sendo aplicadas, de acordo com o executivo, por conta da crise das importadoras.
Desde abril, o governo ampliou o IPI sobre os automóveis importados em 30 pontos percentuais e a Abeiva negocia uma cota de importação com a alíquota anterior.No artigo da versão online da revista norte-americana, a Forbes usa como exemplo um Jeep Grand Cherokee e classifica de “ridículo” o preço de R$ 179 mil pago no Brasil pelo modelo.
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