Em frente ao estaleiro Rio Grande, da Ecovix, sobram vagas no estacionamento e paradas de ônibus sem passageiros. Na área interna, poucos funcionários circulam entre as toneladas de aço que resultam de projetos paralisados. A menos de 10 quilômetros, no complexo da QGI, também em Rio Grande, apenas dois micro-ônibus aguardam parte dos empregados que deixam a unidade ao entardecer. Do outro lado da Lagoa dos Patos, situação semelhante. No EBR, em São José do Norte, o principal som não é o da construção de plataformas. É o do vento, que sopra com força em uma manhã em que o sol se esconde entre as nuvens no litoral sul do Estado.
As operações escassas nos estaleiros não combinam com o cenário de cinco anos atrás. Em seu auge, em 2013, o polo naval gaúcho chegou a empregar 24 mil funcionários diretos, informa o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Rio Grande e São José do Norte. Hoje, são cerca de 400, calcula a entidade.
A onda de demissões bateu com maior força na região a partir de 2014. À época, o surgimento da Operação Lava-Jato e a descoberta de irregularidades em contratos da Petrobras balançaram a indústria naval brasileira, até então estimulada por compras em série da estatal. Assombrada por dificuldades financeiras, a companhia passou a apostar em encomendas no Exterior, sob a justificativa de que, em relação ao mercado nacional, os custos e o tempo de entrega dos pedidos são menores em países como a China.
- Rio Grande e região estão a ver navios - define o presidente do sindicato, Benito Gonçalves.
A crise no polo naval ganhou novo capítulo neste mês. Na última segunda-feira, a Petrobras confirmou que o casco da plataforma P-71 será feito na China e a integração dos módulos ocorrerá no Espírito Santo. A estatal havia rompido o contrato com o estaleiro da Ecovix, no fim de 2016, e desistido da produção em Rio Grande. Hoje, o que sobrou do casco que seria da P-71 está parado no complexo gaúcho - cerca de 50% da estrutura está pronta, conforme Gonçalves. O material da plataforma, além das peças da P-72, que também repousam no local, deve ser vendido como sucata, aponta o sindicato. Ao defender a negociação do material, a estatal argumenta que "o custo para aproveitamento dos blocos existentes é superior ao atual valor de mercado de um casco novo".
- Metade do casco está pronta em Rio Grande. Por isso, entendemos que a decisão de fabricar a P-71 na China é mau uso de recursos públicos - critica o vice-reitor da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), Danilo Giroldo, presidente do Arranjo Produtivo Local (APL) Polo Naval e Energia.
De concreto, no horizonte dos próximos meses, há apenas a expectativa em torno da chegada ao estaleiro da QGI dos cascos das plataformas P-75 e P-77, vindos da China. A empresa espera receber as estruturas no segundo semestre. O trabalho de finalização de cada uma das plataformas deverá durar de um a dois meses - e não estão previstas contratações.
ESTÍMULO PODE VIR DE USINA TERMELÉTRICA
Em meio ao oceano de incertezas sobre o futuro, lideranças sindicais, políticas e empresariais buscam saídas para o polo. Uma das apostas é na articulação para trazer obras como reparos de cascos e conclusão de plataformas, que, embora devam exigir menos mão de obra do que no auge da indústria naval, poderiam impedir o sucateamento dos estaleiros.
- Estamos chuleando para que haja alguma mudança na política de encomendas da Petrobras. Não sei se isso vai ocorrer. Mas é preciso que todos, empresariado e governos estadual e federal, busquem a reativação. Apoiamos isso - diz o presidente da Federação das Indústrias do Estado (Fiergs), Gilberto Porcello Petry.
Outra opção para estimular a economia é o desenvolvimento de projetos fora dos estaleiros. Um deles é uma termelétrica, cujo investimento chegaria a R$ 3 bilhões. Embora com pouca geração de empregos permanentes (a exceção é o período de obras, que pode envolver 3,4 mil trabalhadores), a perspectiva de ter oferta abundante de gás natural seria incentivo para a instalação de indústrias.
No segundo semestre de 2017, a New Fortress Energy, empresa americana que se interessou pela implantação, teve a licença revogada pela Agência Nacional de Energia Elétrica. Agora, o projeto ganhou novo suspiro. Na quinta-feira, a também americana Exxon Mobil manifestou simpatia.
- A termelétrica é essencial até para o Estado e o país. Há necessidade de geração de gás natural, aliada à localização estratégica de Rio Grande. A usina nos colocaria em outro patamar - defende Giroldo.
À espera do segundo semestre
Após o expediente do dia 22 de fevereiro, Peterson Fonseca da Conceição, 24 anos, preparava- se para deixar o estaleiro EBR, em São José do Norte, onde vive com a companheira e seus dois filhos. Ao tentar bater o ponto na saída, deparou com uma surpresa. O sistema eletrônico não reconhecia seu crachá. Em seguida, o trabalhador, que exercia o cargo de ajudante havia um ano e três meses, rumou para o departamento de Recursos Humanos. Lá, recebeu o aviso de que não precisaria retornar no dia seguinte. A demissão ocorreu porque os trabalhos na P-74 - a última a sair do polo naval gaúcho - estavam concluídos.
- Foi triste saber que não há, neste momento, nada previsto para o estaleiro - resume Conceição, que na última quarta-feira foi ao Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Rio Grande e São José do Norte para homologar o desligamento.
Ao deixar o Estado, em 23 de fevereiro, a P-74 partiu para a Bacia de Santos (SP), conforme a Petrobras. A conclusão deveria despertar comemorações em São José do Norte, mas acabou aumentando a agonia na cidade. No curto prazo, não há confirmação de novas encomendas. E a carência de negócios deve se refletir nos cofres do município. A cada mês, a perda prevista só em Imposto sobre Serviços é de R$ 400 mil, sublinha a prefeita Fabiany Zogbi Roig (PSB):
- Não temos nada de concreto agora. Mas há perspectiva de que módulos possam ser construídos no EBR no segundo semestre.
Conforme a Petrobras, a mudança no seu plano de negócios, que até a eclosão da Lava-Jato privilegiava a indústria nacional, foi motivada porque o desempenho alcançado pelos estaleiros "ficou aquém do necessário para que a estratégia fosse bem-sucedida, tendo sido necessário buscar soluções alternativas". Na definição dos novos projetos, a "estratégia de contratação será analisada caso a caso, em função da economicidade, incluindo avaliação do local de execução".
Dificuldades que não apagam esperanças
O ápice do polo naval espalhou sotaques pelas ruas de Rio Grande e municípios vizinhos. Vindos de Angra dos Reis (RJ), Luís Carlos Toledo Silva, 54 anos, e Gerson de Caldas, 57, apostaram no cenário de emprego farto de 2013. Foram contratados à época pela Ecovix, mas não ficaram imunes às séries de demissões nos anos seguintes. Hoje, circulam pela cidade em busca de vagas de trabalho.
Pouco antes do meio-dia da última terça-feira, ao lado do edifício do Sistema Nacional de Emprego (Sine), no Centro, os dois conversavam com outros três homens que deixaram o Rio de Janeiro para tentar a sorte no polo naval. O grupo havia passado a noite em uma calçada próxima ao prédio para garantir a participação em um processo seletivo.
- Vim para Rio Grande após um amigo fazer propaganda daqui. Antes, já tinha atuado na indústria naval - lembra Silva, que trouxe consigo a mulher e os dois filhos.
Mesmo sem encontrar emprego há um ano, o trabalhador pretende seguir na cidade. Caldas pensa da mesma forma. Também deseja permanecer em Rio Grande apesar de estar procurando ocupação formal há 14 meses. No município, conheceu sua atual companheira, com quem tem uma filha.
- Estou há cinco anos sem ir ao Rio e ver minha mãe - lamenta Caldas. - Voltar é difícil. Minha parceira vive aqui. É gaúcha.
TURBULÊNCIA MOSTROU VALOR DA ESPECIALIZAÇÃO
O período de abundância no polo também atraiu um empresário paranaense que rodou por Estados como Santa Catarina e Maranhão e viveu em países como Alemanha. Em 2014, Gustavo Rodenheber, 34 anos, abriu o restaurante Casa Europa Gastrobar em busca de faturamento farto com a movimentação na cidade. Logo após a inauguração, assistiu à onda de demissões nos estaleiros.
- Na época, meu pai e meu irmão trabalhavam na Ecovix. Então, decidi vir para cá. Quando inauguramos o restaurante, todos ficaram apavorados. Por três meses, não entrava uma viva alma aqui. Mas, depois, começou a vir muito público de fora - recorda.
Hoje, gera oito empregos. Na visão de Rodenheber, os últimos anos deixaram lições para parte dos empresários locais:
- No auge do polo, quase todos que abriram negócios ganharam dinheiro. Com a crise, quem não tinha tanta especialização foi atingido e teve de buscar por isso.
DO TUDO AO NADA (Ver imagem)
Setor imobiliário de volta a suas origens
No apogeu do polo naval, o dinheiro movimentado pelos estaleiros espalhou otimismo por setores da economia de Rio Grande e São José do Norte. À época, empresários fizeram investimentos pesados que se transformaram em dores de cabeça após a crise aportar na região. Cinco anos depois do pico na indústria naval, esses empreendedores preferem virar a página. Afirmam que é hora de deixar o passado para trás e construir opções para o futuro.
Coordenador do movimento Aliança Rio Grande e presidente da Câmara de Comércio do município, Antônio Carlos Bacchieri Duarte menciona que a economia local já sentiu os principais impactos da crise do polo. Agora, diz, há "o rescaldo" das dificuldades:
- Como sempre, as coisas têm se acomodado. A esperança está em projetos como o da termelétrica de R$ 3 bilhões para termos geração de empregos e retorno de impostos. Estamos sobrevivendo. De uma forma ou outra, Rio Grande não parou.
Um dos segmentos que buscam reação é o imobiliário. No auge do polo, com acomodações lotadas, faltou espaço. Até colônia de férias na praia do Cassino, delegacia e estúdio de rádio foram transformados em alojamentos para trabalhadores. Com a demanda em alta, o resultado foi a disparada no valor dos aluguéis. Passada a euforia, imobiliárias buscam diminuir os preços para atrair clientes.
- Em 2007, o aluguel de um apartamento com dois dormitórios e vaga de garagem ficava entre R$ 450 e R$ 550. No auge do polo, não saía por menos de R$ 2,5 mil. Hoje, o aluguel não passa de R$ 500 - garante Enoir de Aguiar Pereira, delegado do Conselho dos Corretores de Imóveis da 8ª Sub-Região. - Voltamos às origens de Rio Grande. A maior parte do atual público é de universitários e funcionários públicos federais - emenda.
Enquanto empresários buscam retomar negócios, as marcas da agonia do polo naval continuam visíveis fora dos limites dos estaleiros. Próximo do EBR, em São José do Norte, o prédio de um hotel simboliza os efeitos da crise. Construído a partir de 2014 pela rede Swan, o edifício de 180 apartamentos ainda não foi finalizado. Enquanto isso, a vegetação cresce em torno do terreno.
Segundo a rede, não há previsão de inauguração, e a retomada virá se houver reação no polo naval. "A obra está com 90% da parte civil concluída. A empresa ainda não fez nenhum investimento em equipamentos", informa em nota.
Tecnologia, logística e turismo para o futuro
O debate sobre o futuro do polo naval desperta diferentes avaliações. Ao defenderem a manutenção das operações em Rio Grande e São José do Norte, lideranças sindicais criticam a atuação do governo gaúcho.
- O Estado está desmobilizado em relação ao polo naval. Há total omissão do governo - ataca o vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Rio Grande e São José do Norte, Sadi Machado.
O Palácio Piratini declara que tem atuado para garantir a continuidade das operações. Em nota, a Secretaria do Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia afirma que houve reuniões com a Petrobras sobre o assunto. E acrescenta que está trabalhando para a instalação de novos negócios na região. "O setor naval é tema prioritário na política de atração de investimentos do Estado, que tem buscado alternativas para auxiliar no desenvolvimento de Rio Grande, tendo em vista que houve mudanças significativas no cenário projetado há alguns anos para a área", comenta a pasta.
O economista Bruno Breyer Caldas, da Fundação de Economia e Estatística (FEE), avalia que a região apresenta opções para engatar retomada. Mas a reação, sublinha, não deve ser alavancada pela indústria naval. Para Caldas, a possibilidade de projetos como o da usina termelétrica em Rio Grande é uma das saídas para espantar, em parte, a agonia na região.
- Se o polo conseguir se restabelecer, ficará com tamanho menor, e não com mais de 20 mil empregados. Rio Grande tem um distrito industrial extremamente dinâmico e o quarto porto mais movimentado do Brasil. É um centro econômico - observa.
O prefeito de Rio Grande, Alexandre Lindenmeyer (PT), frisa que o baixo nível de operações no polo respingou nas receitas municipais. Em 2017, o orçamento teve queda de cerca de R$ 60 milhões. Apesar da situação, Lindenmeyer afirma que a cidade pode driblar as dificuldades:
- Somos um polo logístico por conta do porto. Além disso, Rio Grande é um centro na área de educação, com um parque tecnológico valorizado. Não temos alternativas. Temos realidades.
Em São José do Norte, a prefeita Fabiany Zogbi Roig (PSB) reconhece que neste momento há obstáculos que impedem a retomada do polo naval. Mas sublinha que o município pode avançar em diferentes áreas:
- Temos uma forte economia primária. Outra fonte de receita é a exploração do turismo. A gastronomia é rica, com opções de frutos do mar.
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