23/10/2019 Zero Hora Notícias Pg. 28 Psicanalista italiano fala sobre o sentido da vida Em Porto Alegre na noite desta segunda-feira, o psicanalista italiano Contardo Calligaris defendeu que a "boçalidade" de nossa época está relacionada às incertezas de uma sociedade moderna na qual é preciso encontrar, em um mundo onde a religião não dita mais nosso destino, um significado para a vida. Ele evitou dar fórmulas simples para o sentido da existência, mas aconselhou o primordial: a tarefa de definir nosso objetivo é indelegável. Em uma fala na qual costurou memórias íntimas com dilemas filosóficos e criticou indiretamente movimentos obscurantistas (como quando riu de quem nega o fato de a Terra ser redonda), Contardo foi o penúltimo palestrante no ciclo de conferências Fronteiras do Pensamento, no Centro de Eventos da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Psicanalista e escritor italiano radicado no Brasil desde os anos 1980, Calligaris é doutor em psicologia clínica pela Universidade de Provence, na França, e foi aluno de figuras lendárias da filosofia ocidental, como Michel Foucault e Roland Barthes. Hoje, além de atuar em São Paulo e Nova York, é colunista da Folha de S.Paulo. Em seus livros ou textos na imprensa, é conhecido por refletir sobre a relação entre cultura, sociedade e psicanálise. Na PUCRS, abriu a palestra com a fotografia da imponente biblioteca do Convento de São Bento, em São Paulo. Quando criança, contou, tinha uma biblioteca na sala de jantar. Certo dia, o pai, médico cardiologista, apontou para os espaços vazios que ficam entre os livros na estante e disse que, por mais que se leia e se escreva, sempre haverá buracos nas estantes. A metáfora pode ser compreendida como a necessidade que temos de preencher vazios e, por consequência, de buscar sentidos para o que não entendemos. - A ideia de que sempre faltará um livro para preencher o buraco na estante nos move. Não encontramos nunca um caminho-mestre que tape o buraco - disse o psicanalista. Mais adiante, exibiu uma fotografia em preto e branco de jovens armados em resistência ao fascismo na Itália. O pai de Calligaris, ex-prefeito de uma cidade próxima a Milão, recebeu uma carta da comunidade em agradecimento por ter negado juntar-se ao regime de Mussolini. Ao questioná-lo o motivo por ter sido antifascista, Calligaris ouviu o pai dizer que "os fascistas eram muito vulgares". - Ele descreveria a injustiça como feiura, e a boçalidade moral, como vulgaridade. Existe hoje uma crítica ao hedonismo, que é o comportamento de colocar o prazer acima de tudo. Não vejo problemática em ter uma vida em busca de prazer, acho mais problemático pensar que a privação nos traz mérito - avaliou o italiano. Procurar boas sensações para si só se tornou possível na modernidade, no século 18, quando a religião perde força e deixa de pautar a moral e a vida. Se a busca pelo paraíso não é mais o objetivo de todos, por que estamos aqui? Sem respostas prontas, precisamos produzir as próprias perguntas e encontrar as explicações. O Fronteiras do Pensamento Porto Alegre é um evento apresentado por Braskem, com patrocínio de Unimed Porto Alegre e Hospital Moinhos de Vento, parceria cultural da PUCRS, e empresas parceiras Unicred e CMPC. Universidade parceira UFRGS e promoção Grupo RBS.