22 de Março de 2017
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Apreensão entre produtores do RS

ENTIDADES AVALIAM PREJUÍZOS e consideram que impacto maior ainda será percebido, com perdas no mercado externo

Apreensivas diante da repercussão das denúncias de irregularidades em 21 frigoríficos no país, entidades que representam o setor de carnes no Rio Grande do Sul ainda contabilizam o tamanho do estrago para as exportações gaúchas. Até ontem, o clima era de inquietação frente à possibilidade de mais embargo de alguns dos principais importadores de proteína animal do Brasil.

Embora nenhum dos casos investigados pela Polícia Federal tenha ocorrido no Estado, os representantes do setor acreditam que será preciso reconstruir a imagem perante parceiros externos para recuperar a confiança.

– Ainda vamos perder muito com tudo isso. Tínhamos um negócio que era um dos poucos que estava indo bem com a crise. Agora está ameaçado. O estrago está para ser medido – diz Nestor Freiberger, presidente da Associação Gaúcha de Avicultura (Asgav).

Diretor-executivo do Sindicato das Indústrias de Produtos Suínos do Estado (Sips), Rogério Kerber avalia que o Estado pode acabar pagando “um preço alto”, mesmo sem ter qualquer relação com as fraudes investigadas:

– Foram casos pontuais e reprováveis, mas que não comprometem o sistema de certificação e a qualidade da produção. Nosso desafio é destacar isso para tentar minimizar os prejuízos.

Em 2016, segundo dados da Fundação de Economia e Estatística (FEE), o Rio Grande do Sul exportou 1 milhão de toneladas de carne para destinos como União Europeia, Arábia Saudita, Rússia e China. A operação rendeu cerca de US$ 2 bilhões, o equivalente a 13% do faturamento das exportações brasileiras do produto no período.

– O que mais preocupa é que esse tipo de negócio representa o elo final da cadeia do agronegócio. Se for afetado, teremos problemas. Só o setor de abates, por exemplo, tem 56 mil trabalhadores formais no Estado, que podem ser prejudicados – avalia o economista do Núcleo de Estudos do Agronegócio da FEE, Sérgio Leusin Júnior.

Apesar do temor de queda nas exportações, o secretário estadual da Agricultura, Ernani Polo, destaca que o momento é de “tranquilizar os consumidores”, tanto internos quanto externos:

– Certamente haverá reflexos negativos, mas temos de ter o cuidado de não generalizar, de deixar claras as medidas que estão sendo tomadas e de manter o controle rigoroso sobre a produção.

Diretor-executivo do Sindicato da Indústria de Carnes e Derivados no Estado (Sicadergs), Zilmar Moussalle também aposta na reversão da crise:

– O estrago já foi feito. Mesmo assim, esperamos que se torne apenas uma nuvem negra a se dissipar no céu. Aos poucos, as coisas vão se ajustar.

A CADEIA GAÚCHA

CARNE BOVINA

Produtores: são 360 mil propriedades rurais que criam gado no Estado

Agroindústrias: 386 com inspeção federal, estadual ou municipal

Produção em 2016: 1,98 milhão de cabeças abatidas (8% da produção brasileira)

Quantidade exportada em 2016: 124 mil toneladas de carne enlatada e in natura (8,8% das exportações brasileiras)

Faturamento de exportações em 2016: o Sicadergs não contabiliza

Principais destinos de exportação: China e Rússia para carne in natura e para enlatada, EUA e Inglaterra

CARNE DE FRANGO
Produtores: 10 mil (sistema integrado de frango de corte)

Agroindústrias: 18 com inspeção federal e 12 com inspeção estadual

Produção em 2016: 1,7 milhão de toneladas (13% da produção brasileira)

Quantidade exportada em 2016: 740 mil toneladas (18% das exportações brasileiras)

Faturamento com as exportações em 2016: US$ 1,2 bilhão

Principais destinos de exportação: Oriente Médio, China e União Europeia

CARNE SUÍNA
Produtores: cerca de 9 mil

Agroindústrias: 23 com inspeção federal e cerca de 90 com inspeção estadual

Produção em 2016: 750 mil toneladas (26% da produção brasileira)

Quantidade exportada em 2016: 178 mil toneladas (25% das exportações brasileiras, sem contar miúdos e produtos industrializados)

Faturamento com as exportações em 2016: US$ 400 milhões

Principais destinos de exportação: Rússia, Hong Kong e China

Fonte: Fonte: Asgav, Sips, Sicadergs e Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes.

Mais cinco mercados decidem suspender compras do Brasil

O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, afirmou ontem que pretende encerrar em até três semanas as investigações nos 21 frigoríficos envolvidos na Operação Carne Fraca, da Polícia Federal (PF). A prioridade é liberar as seis unidades que realizaram exportações nos últimos 60 dias. Ontem, mais mercados anunciaram suspensão de compras de carne vendidas pelo Brasil – já são nove importadores com restrições.

O ministério informou ainda que há três unidades sob investigação que estão proibidas de vender inclusive para o mercado brasileiro. São duas da Peccin no Paraná e uma da BRF em Goiás.

– Acreditamos que o autoembargo será suficiente para resolver o problema – disse o ministro durante uma visita ao frigorífico da Seara na cidade de Lapa, no interior do Paraná.

Parte do grupo JBS, a unidade está entre as investigadas. Segundo Maggi, a suspeita recai sobre casos de corrupção envolvendo fiscais do ministério e a empresa na expedição dos certificados de exportação. No local, são processados cerca de 140 mil toneladas de frango por ano. No ano passado, 60 mil toneladas foram vendidas para a China, um dos maiores importadores de carne brasileira (12% do total) e que suspendeu suas compras.

Ontem, outro importante mercado para carnes brasileiras anunciou restrição aos produtos. Hong Kong, principal comprador de itens bovinos, justificou a medida “em nome da prudência”. A lista recebeu ainda as adesões de Japão, México, Suíça e Jamaica. A embaixada japonesa disse que a proibição vale “até novas notificações”.

No México, que compra frango, a decisão fica em vigor “até que a autoridade sanitária brasileira ofereça provas científicas e garantias sanitárias de qualidade e de segurança”. Os suíços resolveram adotar o mesmo padrão da União Europeia, e bloquear produtos de quatro empresas investigadas. Além de suspender as compras, o governo jamaicano determinou o descarte do produtos e a realização de testes.

O secretário-executivo do ministério, Eumar Roberto Novacki, e o diretor-geral da PF, Leandro Daiello, se reuniram ontem em Brasília. Após, divulgaram nota na qual afirmam que a “ operação deflagrada na última sexta-feira tem como foco a eventual prática de crimes de corrupção por agentes públicos” e que as irregularidades identificadas “não representam mal funcionamento generalizado do sistema de integridade sanitária”.

Peritos criticam ação da PF, e denunciante defende trabalho

Peritos federais criminais entraram ontem no debate sobre a Operação Carne Fraca. Em nota divulgada por sua associação nacional, a categoria atacou a investigação da Polícia Federal (PF), afirmando que falta lastro para o inquérito demonstrar que ocorreu “dano agudo à saúde pública” nas supostas irregularidades praticadas por 21 frigoríficos.

Segundo a entidade, os 27 peritos criminais com formação em medicina veterinária atuantes na PF não participaram da investigação. “A abordagem quase exclusiva de provas contingenciais deu aos responsáveis pelo comando da operação a equivocada impressão de que tudo poderia ser concluído de imediato e sem qualquer dúvida, apenas com aquilo que se chama circunstancial. A atuação adequada dos peritos criminais federais nas demais etapas do procedimento investigatório, e não apenas no seu início e na sua deflagração, teria poupado o país de tão graves prejuízos comerciais e econômicos”, critica a nota da associação dos peritos.

A direção da PF não se pronunciou sobre a nota. No domingo, o diretor do órgão, Leandro Daiello, explicou ao presidente Michel Temer que, além de um laudo, apreensões de mercadorias e centenas de horas de interceptações telefônicas mostram diálogos que evidenciam maquiagem de carnes deterioradas para a venda.

AUDITOR DIZ QUE HÁ MAIS PROVAS POR VIR

Depois das críticas feitas pelo Planalto, por entidades do agronegócio e pela bancada ruralista, o auditor fiscal agropecuário Daniel Gouvêa Teixeira, autor das denúncias que desencadearam a operação, saiu em defesa da PF e foi além.

– Isso é preocupação de quem está com medo do que está por vir – disse ontem ao programa Timeline, da Rádio Gaúcha.

Segundo ele, ao fiscalizar o frigorífico Peccin, de Curitiba, detectou que eram reaproveitade carne vencida e podre, além de fraude em merenda escolar e entrega ao consumidor de produtos fora do padrão, com sódio, açúcar, gordura e carboidratos além do permitido.

Depois de denunciar irregularidades encontradas no Peccin à superintendência do Ministério da Agricultura no Paraná, o auditor acabou afastado da fiscalização da empresa. Diante disso, levou o caso à PF.

Teixeira contestou ainda alguns pontos criticados. Entre eles, está a suposta adição de papelão à carne moída. A empresa afirma que o diálogo flagrado pela PF tratava de uma discussão sobre embalagens, papelão ou plástico.

– O procedimento de embalar esse tipo de carne em papelão não pode ser feito, porque gera contaminação – afirmou Teixeira.

Supermercados querem mais informações de fornecedores

Três das principais redes de supermercados do país – Grupo Pão de Açúcar (GPA), Carrefour e Walmart – pediram esclarecimentos aos seus fornecedores de carne citados na ação da Polícia Federal (PF) sobre fraudes no produto. Por meio de comunicados, também afirmam que contam com programas de monitoramento da qualidade dos alimentos.

Um dos objetivos das redes foi reforçar que todos os produtos vendidos em suas lojas têm certificações emitidas pelos órgãos competentes – federal, estadual ou municipal –, além de adotarem processos internos de auditoria.

No Estado, a Associação Gaúcha de Supermercados (Agas) não adotou medidas em relação aos fornecedores de carne, pois não foi notificada judicialmente por nenhum órgão de segurança ou fiscalização. A recomendação é para que as redes contatem diretamente seus fornecedores para solicitar informações.

O presidente da Agas, Antônio Cesa Longo, disse que o setor ainda não sentiu o impacto da operação, pois nenhuma planta local está entre as investigadas pela PF. Mas, nos próximos dias o preço da carne deve baixar:

– Até o momento, o consumidor gaúcho segue comprando normalmente os produtos. Ele continua confiante em relação a essas marcas. O que pode acontecer, nos próximos dias, é queda no preço dos produtos, pois diversos mercados externos estão fechando as portas para o Brasil.

IDEC PEDE RECALL DE MERCADORIAS

Na segunda-feira, o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) encaminhou ao ministro da Agricultura, Blairo Maggi, e ao presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Jarbas Barbosa, pedido de retirada imediata dos produtos impróprios ao consumo investigados pela PF, conforme previsto no artigo 10 do Código de Defesa do Consumidor.

A entidade exige que o governo forneça a descrição dos itens fraudados, como marca, número do lote, local da apreensão do produto e outros dados que facilitem a identificação. Ainda não houve resposta ao pedido.